quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014
Tesouro das Escuridades
"Deus me deixou conhecer o remorso:
sentir-me réptil e verme;
ré e promotora,
o dedo estendido na própria direção,
num ângulo só possível
numa consciência que se debate
na angústia
de voltar atrás,
começar de novo,
suplicando a graça única
de mais uma oportunidade que,
provavelmente,
seria perdida mais uma vez...
Deus me permitiu passar pela dor,
sem esperança de cura,
sem promessa de libertação.
Deixou-me conhecer o abandono,
o esquecimento,
a solidão,
maior ainda, porque não no deserto
''onde feras e anjos'' fazem companhia,
mas no meio da multidão.
Permitiu-me passar pela tentação
Não foi tudo de uma vez só!
Houve uma sequência,
um ''crescendo''
para baixo,
sempre para baixo,
até onde os ''porquês''
não encontram respostas,
nem no céu,
nem no inferno.
E então,
só então,
Na escuridão compacta, sólida,
o milagre aconteceu:
A pedra bruta fez-se
brilhante lapidado,
mais precioso ainda
contra o fundo negro da dor.
E eu retornei:
marcada e exausta
como quem sai de uma batalha;
exultante como quem volta com os despojos.
Não saberei nunca porquê foi preciso
descer a tal escuridade,
mais terei sempre um ''para que''
como início da resposta
do que Deus quer que eu seja:
Quando me confessarem erros,
chorarem fracassos,
clamarem por oportunidades perdidas,
falarem de dor,
haverá uma sinceridade muito maior
em meu gesto de consolo,
em minha palavra de compreensão.
Uma identificação só possível
naqueles que,
passando pelas ''escuridades'',
lembraram-se das promessas,
tomaram posse delas
e voltaram com seus ''tesouros''
tão mais preciosos agora
por causa do contraste
do milagre
que lembram do preço
que custaram ao Senhor!..."
Texto tirado do livro de Myrtes Mathias "Deus fala nas sombras".
Todas as vezes que leio, penso ser o resumo da minha vida.
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